04 junho 2007

Visão em perspectiva

Torre Eiffel por Marcos Rodrigues, designer e arquiteto

Este é o movimento teórico de um grupo de 27 pesquisadores em cooperação interdisciplinar e internacional (regiões da França, do Quebec e do Brasil) para pesquisar sobre o jornalismo. Desde 2002, desenvolvem a pesquisa intitulada “Hybridation et création de genres médiatiques. Réalités, représentations et usages de transformations de l'information” através de 9 corpus de análise. Ver em perspectiva esta atividade social significa produzir um quadro teórico sobre jornalismo, reunindo pesquisadores dispersos em diferentes linhas - seja pela sociologia das profissões e das organizações, pela sociologia política ou seja pela historia da imprensa e das mídias – e dispersos em diferentes objetivos – identidade profissional do jornalismo, relação entre estratégias das empresas e a prática profissional, a transformação dessa prática com as novas tecnologias de informação ou ainda a articulação da prática com os discursos. (Ringoot e Utard: 2005: 11 a 17)

Além de trabalhos em conjunto e publicações, o grupo tem realizado eventos como o ciclo Olhares cruzados sobre as apostas contemporâneas do jornalismo que ocorreu no último dia 1° de junho na Celsa (école des hautes études em sciences de l'information et de la communication) da Paris IV – Sorbonne. O primeiro de uma série de três ciclos da “Journées d'études”, o evento se dedicou a discussões epistemológicas do jornalismo e do fazer-jornalístico.

Pela manhã, a mesa “Transformações, mutações, rupturas, reinvenção do jornalismo: da teoria à metodologia”, formada por pesquisadores do Canadá e da França, focou na discussão epistemológica. à tarde basicamente uma mesa de doutorandos debateu questões do fazer-jornalístico, além de receber um dos jornalistas responsáveis pelo Rue89, um recém criado site de “jornalismo cidadão” já com grande audiência na França.


A organização deste ciclo ficou a cargo do CRAPE (Centre de Recherches sur l'action politique em Europe), do GRIPIC (Groupe de recherches interdisciplinaires sur les processus d'nformation et de communication) e do REJ (Réseau d'études dur le journalisme).

Paradigmas do Jornalismo

Coordenada por Jean François Tétu (Lyon 2), discípulo de Maurice Mouillaud, com quem escreveu o famoso “Le journal quotidien”, a primeira mesa coloca em debate o pensamento de Jean Charron (Universidade de Laval), Roselyne Ringoot (Rennes 1), Jean-Michel Utard (Robert Schuman de Strasbourg) e Dominique Cotte (Lille 3).

A primeira discussão se dá sobre a teoria dos paradigmas do jornalismo, de Jean Charron (foto) e Jean de Bonville, que toma como base o jornalismo americano e, principalmente, do Quebec. Os pesquisadores canadenses acreditam que “o jornalismo é uma construção sociocultural fortemente marcada pelo contexto de sua formulação” (pensamentos gestados em 1996 e 1997, aos quais nos referimos nos próximos parágrafos). De forma mais direta, a teoria postula que o conceito de paradigma (Thomas Khun, 1983) designa um estado relativamente estável na cultura profissional dos jornalistas – um conjunto de pressupostos, regras de conduta, de convenções, noções compartilhadas pelo conjunto de jornalistas e que guia sua prática.

Os paradigmas jornalísticos seriam três: o jornalismo de opinião – que se manteve até o fim do século XIX; o jornalismo de informação – que apareceu no início do século XX (1920) e estaria em crise (desde 1980) ; e o jornalismo de comunicação – atualmente em emergência. Analisando as mudanças que vem sofrendo a prática jornalística, os autores afirmam que estamos vivendo o que chamam de “jornalismo de comunicação”, desde 1997, quando começam a desenvolver sua teoria.

Na sua apresentação, o professor Charron deu prioridade ao “paradigma da comunicação”, em que destacou o que chama de “sistema de jornais” (dispositivo sociocognitivo coletivo, em suas palavras). No debate, uma das mais importantes questões, no entanto, foi sobre as mudanças internas e externas ao próprio paradigma, ou seja, quando se pode dizer que uma mudança é estrutural do paradigma ou vem de fora da estrutura. Para nos, uma das arestas que o pesquisador se empenha em aparar.

Dispersão e reinvenção do jornalismo

Os pesquisadores Roselyne Ringoot e Jean-Michel Utard, a partir do livro “Le journalisme em invention” (publicação coletiva organizada pelos pesquisadores, 2005) e com o intuito de uma visão em perspectiva para o conhecimento da atividade jornalística, colocaram em debate sua aposta teórica com a categoria de “dispersão” de Foucault (1969). O discurso jornalístico é, ao mesmo tempo, aquele que é construído dentro do produto jornalístico, como também aquele que é “construído” pelos discursos profissionais, jurídicos ou pedagógicos.

Os produtos jornalísticos seriam submetidos a uma dispersão enunciativa. A formação discursiva jornalística seria um lugar de tensão (foyer de tension) entre ordem e dispersão. A dispersão estaria circunscrita ao jogo de relações. Os autores colocam a informação como objeto e o gênero como processo enunciativo central: “(...) Nous avons posé, en dénominateur commun, l'information comme objet et le genre comme processus énonciatif central, em réfutant tout essentialisme: l'information existe em fonction des discours qui la produisent et le genre est traversé par les conditions de sa production. (...)” (Ringoot e Utard: 2005: 43)

Embora categorias próximas, paradigma e formação discursiva se distinguem pelo grau dinâmico e processual de cada uma. Enquanto o paradigma implica sistema normativo, a formação discursiva, ainda que também seja uma articulação de valores, conceitos, estratégias, crenças coletivas, atos enunciativos exitosos (exemplares), possibilita – como dizem Ringoot e Utard – se considerar a diversidade e o movimento como fatores constitutivos e permanentes da prática jornalística.

Um dos elementos-chave neste jogo de diversidade e movimento seria o gênero discursivo. Ao mesmo tempo em que o gênero aparece como configuração discursiva estabilizada (diríamos nos, institucionalizada), é também uma manifestação provisória de um processo dinâmico.

Metáforas midiáticas

Dominique Cotte, da Universidade de Lille 3, apresentou a pesquisa coletiva “Métaphores médiatiques”, em curso há 3 anos. São 16 pesquisadores de 8 universidades francesas, além de um diretor de pesquisa do CNRS, o Centro Nacional de Pesquisa na França, que financia o trabalho. A partir de pesquisas já realizadas pelos alguns dos pesquisadores, o método é articular três dimensões: do texto (“sémiotique des écrits d'écran), da técnica (analise material e lógica do dispositivo digital) e do uso (abordagem da mediação social dos objetos).

A pesquisa de campo investiga cinco diferentes produtos: o software Oasif (uma ferramenta de formação à distância, desenvolvida pela Télécom Paris); a obra de Raymond Queneau, escritor, poeta, dramaturgo francês, co-fundador do movimento chamado Oulipo (Ouvroir de littérature potentielle) na década de 60; a rádio, mais especificamente as transformações sofridas pela rádio com o desenvolvimento das mídias digitais; os editores não-lineares utilizados nos jornais televisivos; e uso do software Power Point por assessorias de comunicação.

O trabalho se constitui, portanto, como dizem os pesquisadores no site de “Métaphores médiatiques”, uma etapa na “démarche” de pensar plenamente a dimensão simbólica das práticas midiáticas.

Práticas do jornalismo

A mesa “Les métiers du journalisme: des imaginaires professonnels renouvelés?”, coordenada por Denis Ruellan - de quem partiu a iniciativa de estudar as transformações da produção e a difusão da informação no nível local e regional ligados ao desenvolvimento da internet – recebeu o jornalista Pierre Haski, um dos quatro jornalistas criadores do site Rue89 e dois doutorandos.

Surgido há menos de um mês, o Rue89 é um site de “jornalismo cidadão” ou como acredita o Haski, um dos jornalistas fundadores, é uma prática jornalística a três vozes, do jornalista, de um especialista e de um usuário. “Concrètement, à chaque fois, nous mettons en valeur une information à partir de trois points de vue : l’enquête d’un journaliste, l’analyse d’un expert et le commentaire d’un blogueur. C’est ce que j’appelle le journalisme à trois voix” (citação de Pierre Haski em matéria na revista de atualidade LePoint.fr).

Entretanto, mesmo com a defesa do “jornalismo cidadão”, Haski destacou a particularidade do trabalho jornalístico em três principais competências: apuração da informação, hierarquização da informação e escolha da informações na composição do texto.

Os outros pesquisadores, os doutorandos Marie Brandewinder e Vincent Goulet, apresentaram artigos de suas teses em andamento. Brandewinder, orientanda de Érik Neveu, trabalha o papel dos consultores nas empresas de jornalismo. Já Vincent Goulet, doutorando da Université de Bordeaux 3, apresentou um artigo sobre a criação da primeira escola de jornalismo na França, já disponível no site do REJ.

No site de cobertura do evento, será publicado, em breve, o áudio das apresentações e debates, além dos artigos apresentados. O segundo ciclo, a ser realizado em dezembro desse ano, focará nas mutações estratégicas econômicas das mídias e na elaboração de estratégias midiáticas emergentes. O teceiro ciclo terá como tema as mudanças organizacionais dos diferentes tipos de
mídias e questionará a pertinência das tipologias tradicionais.

Referências:

CHARRON, Jean et de BONVILLE, Jean, Présentation. Journalisme en mutation. Perspectives de recherche et orientations méthodolgiques, in Communication, Québec, Université Laval, vol. 17, No 2, p. 51 à 99, 1996.

CHARRON, Jean e BONVILLE, Jean. Le paradigme du journalisme de communication : essai de définition, Communication, vol. 17 no 2, Université Laval (Québec), 1997, p. 51-97.

RINGOOT R. e UTARD J.M. (org.) Le journalisme en invention. Nouvelles pratiques, nouveaux acteurs, Rennes, PUR, coll. Res Publica, 2005.

TARDY, Cécile e JEANNERET, Yves. L'écriture des médias informatisés : espaces de pratiques (Coll. systèmes d'information et organisations documentaires), Hermes Sciences, 2007.

MOUILLAUD, M., TÉTU J.-F., Le journal quotidien, Lyon, PUL, 1989.

Rede de pesquisa:

Béatrice Damian, Marianne Chartier, Roselyne Ringoot, Denis Ruellan et Daniel Thierry (CRAPE-Université de Rennes 1), Jean-Michel Utard (GSPE-niversité de Strasbourg 3), Valérie Cavelier-Croissant (GRESEC-Université de Nancy 2), William Spano (GRESEC-
Université de Grenoble 3), Franck Rebillard, Anne-Lise Touboul et Jean François Tétu (Médias et identité-Université de Lyon 2), Valérie Jeanne-Perrier (GRIPIC-Université de Paris 4), Florence Le Cam (CRAPE-Université de Laval Québec), Nicolas Pélissier (LAMIC-niversité de Nice), Dominique Augey (CAE-Université d'Aix-Marseille 3), Marie-Christine Lipani (Université de Paris 3), Marc-François Bernier (Université de Ottawa), Josette Brun, François Dermers, Alain Lavigne, Charles Moumouni et Thierry Wattine (PNCP-Université Laval de Québec), Bernard Idelson, Nathalie Almar et Jacky Simonin (LCF-Université de la Réunion), Zélia Léal Adghirni, Luz Martins da Silva, Marcia Marquez, Dione Moura (SOJOR-Universidade de Brasilia), Francisco Sant'Anna (Univesidade de Brasilia e Université Rennes 1).

Site dedicado ao estudo dos gêneros jornalísticos. Criado durante nossa tese de doutorado, 2005. Esse novo layout abre um novo ciclo de estudo, pesquisa, descobertas sobre esse tema tão caro à prática jornalística e ao conhecimento sobre o jornalismo.

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