21 agosto 2007

Enquete: conceitos, referências, futuro...

Fizemos uma breve enquete, por email, com os pesquisadores que apresentaram no Siget trabalhos sobre gêneros jornalisticos ou sobre a pesquisa em gêneros no Brasil. O objetivo, proximo da analise do ultimo post, é saber sobre as referências bibliograficas estrangeiras e nacionais para os estudos de gêneros, o conceito de gênero seguido, a utilização das nomenclaturas "discursivo e textual", e a intenção em se continuar estudando o assunto.


Embora a quantidade não nos permita fazer uma sintese para a area linguistica no Brasil, as respostas recebidas (que agradeço aqui) reafirmam a importância de Bakhtin nos estudos sobre gêneros e a diluição dos limites entre as nomenclaturas "discursivo e textual".

Fizemos dois blocos de questões : um para aqueles que estudam gêneros jornalisticos em suas pesquisas e outro bloco para quem apresentou sobre a pesquisa brasileira em gêneros. Transcrevemos abaixo as perguntas enviadas e as respostas recebidas com o nome dos autores, seus emails e trabalho acadêmico mais importante (*), segundo o proprio pesquisador:

Questões do bloco 1:
1. Você trabalha com qual conceito de gênero? (textual, discursivo) Você daria ou citaria uma definição mais proxima?
2. Quais são suas 3 principais referências estrangeiras para trabalhar o conceito de gênero?
3. Qual a sua principal referência brasileira para trabalhar o conceito de gênero?
4. Você pretende continuar estudando gêneros? (coordena ou esta integrado em pesquisa; pretende fazer pos-doc; entrar em grupo de pesquisa sobre gêneros)


Christine Carvalho (chris@ucb.br)
Universidade Catolica de Brasilia (UCB)
Trabalho apresentado no Siget* : "O gênero discursivo CD-ROM nas práticas de linguagem" (em pdf)


1. Gênero discursivo e textual.

2. Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. (trad. 1997)
Fairclough, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. 2003

3. Marcuschi, L. A. ... ( Gênero textual) em algumas pesquisas.

4. Estou integrado em projetos de pesquisa e pretendo fazer pos-doc.


Najara Pereira (najarafp@terra.com.br)
Universidade de Caxias do Sul
Trabalho apresentado no Siget, com Luis Recckziegel: "Gêneros e formatos na TV: uma discussão sobre a hibridização nos programas "Mais Você" e "Bem Familia""
Tese*: A marketização no discurso dos magazines femininos televisuais (em pdf)


1. Parto do conceito de Bakhtin, por isso sintonizo mais com gênero discursivo, mas como ainda há discussões sobre a nomenclatura tendo a usar gênero textual/discursivo.
Tenho utilizado essa definição de Bakhtin (1986:60) editada por Motta-Roth (2005): Gêneros é um conjunto de enunciados mais ou menos marcados pelas especificidade de um contexto de enunciação, onde uma dada atividade humana recorrente está em andamento em um contexto de cultura. Esse conjunto de enunciados é marcado também pela esfera de utilização da língua, pelo objetivo comunicativo, pelo conteúdo explorado.
(Disponível aqui em pdf)

2. Tenho utilizado:
FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London/New
York: Routledge, 2003.
CHOULIARAKI, L. ; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: Rethinking criticaldiscourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999.
SWALES, J. M. Genre Analysis: English in academic and research settings. Cambridge:
Cambridge University Press, 1990.
BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006.
______. Escrita, gênero e interação social. São Paulo: Cortez, 2005.

3. Motta-Roth, Désirée.

4. Sim, meu trabalho, desde o mestrado envolve análise de gênero em textos midiáticos. Mesmo que não seja o foco principal dos meus estudos e de minha pesquisa, é um elemento fundamental para trabalhar as questões sobre discurso e linguagens. Faço parte de grupos de pesquisa que discutem e pesquisam gênero, além de coordenar um grupo. Pretendo avançar as discussões e para isso há uma perspectiva de realizar o pós-doc.

Questões bloco 2:

1. Com que metodologia você trabalha para o estudo de gêneros (textuais, discursivos)?

2. Quais são suas 3 principais referências estrangeiras?

3. Qual a sua principal referência brasileira para trabalhar o conceito de gênero?

4. Como você analisaria os estudos de gêneros na area de Letras no Brasil?


Silvio Ribeiro da Silva (ssilva2@uol.com.br)
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Texto apresentado no Siget: "Pesquisa sobre gênero no Brasil: o que mostram os dados do Siget e da pos-graduação stricto sensu" (em pdf)


1. Uso como metodologia a pesquisa de base interpretativista e a etnografia, embora nao seja exatamente o que fazem os antropólogos em seus estudos de base etnográfica. Meu campo gerador de dados é a sala de aula. Por isso preciso participar da mesma, do que lá ocorre, dos eventos de letramento lá desenvolvidos e das interaçoes oriundas desse espaço de interlocuçao.

2. Uso para o estudo dos gêneros basicamente a teoria de Bakhtin (o capítulo dos gêneros do discurso do livro Estética da Criação Verbal). Porém, também faço referência a Dolz & Schneuwly ("Gêneros Orais e Escritos na Sala de Aula") para a discussão teórica sobre os gêneros.

3. Em se tratando de autor brasileiro, não uso nenhum autor brasileiro em específico, uma vez que o que se tem, em geral, é sobre gênero textual. Porém, cito bastante Rojo ("Gêneros Textuais e Discursivos: questões teoricas e aplicadas") para justificar melhor o porquê da adoção do conceito de gênero do discurso e não de gênero textual.

4. O estudo do gênero no Brasil tem despertado o interesse de muitos estudantes e pesquisadores nao só na área de Letras. O grande exemplo que temos acerca da importância desse estudo creio que pode ser visualizado no SIGET, uma vez que se trata de um evento único no país acerca do que se estuda e se pesquisa sobre o gênero em nível nacional e até mesmo internacional. Na comunicaçao que apresentarei, creio que mostrarei um pouco do que vem sendo estudado. Mostrarei dados referentes aos 3 primeiros SIGET, abordando quantitativamente o que foi apresentado sob forma de comunicaçao, mesa redonda, minicurso, etc.

14 agosto 2007

Zoom no Siget

Mapa no Tagzania
Neste post, apresentamos um breve mapeamento feito para e sobre o Siget (Symposium on Genres Studies), o unico evento internacional dedicado aos estudos de gêneros realizado no Brasil, que começa hoje.

Trata-se de uma busca de respostas sobre: autores mais citados, gêneros mais estudados, a compreensão de gênero textual e discursivo, o modo como os gêneros jornalisticos aparecem nas pesquisas de linguistas e a formação de pesquisadores participantes.

Evento da area de letras e linguistica, o Siget (como divulgamos na epoca de incrições) vai reunir importantes pesquisadores de gêneros da atualidade, alguns dos mais lidos e citados nos trabalhos a serem apresentados. Dentre estes, estão John Swales (University of Michigan), Vijay Bhatia (City University of Hong Kong), Carolyn Miller (North Carolina State University) e Charles Bazerman (University of California), coordenador do evento juntamente com Adair Bonini (Unisul) e Débora Figueiredo (Unisul); além de Roxane Rojo (Unicamp), Désirée Motta-Roth (UFSM) e José Luis Meurer (UFSC). A quarta edição do Siget vai de 15 a 18 de agosto em Tubarão, a 133 km de Florianopolis.

O lugar dos jornalisticos

Dentre os temas mais frequentes em comunicações individuais, coordenadas e posters, figura, sem duvida, ensino-gêneros. Como explicou a Roxane Rojo, em artigo apresentado em 2000, o motivo se deve aos referenciais nacionais de ensino de linguas (chamados PCNs) que indicam os gêneros como objeto de ensino, destacando a importância de se considerar as caracteristicas dos gêneros na leitura e produção de textos ("Gêneros do Discurso e gêneros textuais: questões teoricas e praticas").

O interessante, pra nos, é observar como entram os gêneros jornalisticos nessas analises. Cerca de 20% dos trabalhos (brasileiros) operam de alguma forma com os gêneros jornalisticos, seja como instrumento para o ensino, independentemente ou como corpus para a discussão de conceitos-chave.

Isto leva a outra observação, no minimo, intrigante: tanto a primeira pagina do jornal, a capa da revista, como a noticia é considerada um gênero jornalistico. Alguns gêneros jornalisticos aparecem ora como textuais, ora como discursivos. Uma caracteristica que, alias, esta em varios gêneros.

Textuais ou discursivos

No mesmo artigo citado acima, Roxane Rojo mostra como são tênues os limites entre gênero discursivo e gênero textual, como são diluidas as fronteiras entre texto e gênero. A pesquisadora havia mapeado os autores citados para uma e outra escolha. Aqueles que trabalhavam com gênero do discurso citavam Bakhtin e seu circulo, e aqueles que falavam em gêneros textuais citavam, principalmente, Bronckart e Adam.

Depois de 10 anos (1995), esta é uma tendência que se repete nos trabalhos brasileiros do Siget, mas também que preocupa claramente os pesquisadores. Pelo menos 10 comunicações individuais questionam categorias dos mesmos autores citados acima. Um dos trabalhos discute especificamente a diferença entre gênero textual e discursivo, outro ("Editorial: um gênero textual?") questiona através da nomenclatura. Pela tabela abaixo, fica claro como as linhas entre textual e discursivo são imprceptiveis:

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Gênero de quê?

Muito interessante observar também a diversidade de produtos, composições, eventos que podem ser considerados um gênero. Um gênero discursivo pode ser, desde uma "situação de trabalho", "depoimento de orkut", a uma noticia de jornal impresso. A charge, por exemplo, é considerada como textual e como discursivo. Os gêneros jornalisticos são, em geral, considerados gêneros textuais. Dos 21 gêneros textuais, quase a metade (10) é gênero jornalistico de impressos (jornais e revistas).


Autores mais citados

Estas observações são confirmadas na comparação com os autores mais citados. Bakhtin, "o" autor dos gêneros discursivos, é o mais citado pelos brasileiros, 91 trabalhos o citam, pelo menos, uma vez. Depois vem o Marcuschi (UFPE) e o Bronckart, dos gêneros textuais, citados, respectivamente, em 41 e 37 artigos. Nenhum pesquisador estrangeiro cita nem o Marcuschi, nem o Bronckart, enquanto Bakhtin aparece em apenas 4 comunicações de pesquisadores estrangeiros.

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O motivo desta liberdade em nomenclaturas esta no que a professora Roxane Rojo ja havia explicado: o conceito de gêneros textuais de Marcuschi aproxima-o de tal forma do conceito de gêneros de Bakhtin, que, conceitualmente, não haveria diferenças de base.

"Como vemos, nessas definições, o autor ressalta que as teorias de tipos textuais estão voltadas para as estruturas e formas lingüísticas de diversos níveis e que as abordagens dos gêneros textuais os encaram como uma “forma de realizar lingüisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”" (Rojo, artigo citado)

A conclusão deste artigo é particularmente interessante, exatamente porque a pesquisadora defende -depois de discutir, analisar e argumentar sobre as diferenças conceituais entre textuais e discursivos - que o "util e necessario", para a area, "explorar as caracteristicas das situações de enunciação". Pelas leituras de resumos e de alguns artigos, o trabalho foi levado em conta.


Mais revelador ainda é que, pelo menos, 14 textos dos que citam Marcuschi, citam também Bakhtin. Muito mais do que outros autores como Bronckart. O Bazerman é mais citado do que Bakhtin, se somamos os trabalhos brasileiros com os estrangeiros: são 35 brasileiros e 13 estrangeiros. Os numeros mais equilibrados, em se comparando artigos brasileiros e estrangeiros, estão na citação de Carolyn Miller: 6 artigos brasileiros e 5, estrangeiros.


Autores franceses, como Maingueneau e Charaudeau, conhecidos no Brasil pelo programa de Minas Gerais, aparecem em 11 e 4 artigos, respectivamente (apenas de brasileiros).

Em se tratando dos pesquisadores que participam do Siget, apenas 4, de cerca de 300 brasileiros, são da area de comunicação. Ainda que pesquisemos sobre o mesmo assunto, e que muitos dos trabalhos dos formados em letras e linguisticas tomem como corpus gêneros jornalisticos, o dialogo é ainda bastante timido.

Autores citados e estudados num programa ou numa area, não aparecem nos trabalhos das outras. O que acontece não apenas por incompatibilidades de teorias ou categorias de base, mas também pelo esqueleto individualista em que se estrutura a pesquisa brasileira. Do que fala Charaudeau, se não de "situações de enunciação", como esta la em Bakhtin?

Outra observação pouco acalentadora, é como a area de comunicação, no que trata de gêneros, é incapaz de fornecer referenciais para se trabalhar com esse corpus em outras areas. O que não quer dizer que a pesquisa não esteja avançando. Com dialogo, imagino que avançasse com outra velocidade.

Referências

Rojo, Roxane. Gêneros do Discurso e gêneros textuais: questões teoricas e praticas
, artigo apresentado em julho de 2000, por solicitação do Sub-GT da ANPOLL “Teorias de Gêneros em Práticas Sociais”, no XV Encontro Nacional da ANPOLL, sobre os principais trabalhos do Programa de Pós-Graduação (LAEL/PUC-SP).

* Ainda esta semana, divulgamos a breve enquete feita por email com alguns pesquisadores que trabalham gêneros jornalisticos independentemente.
*Os acentos, melhor, a falta de acentos é devido ao teclado francês.

07 agosto 2007

"Gêneros em crise" para Arnaldo Antunes

Site Oficial

Estava eu aqui começando o dia, quando recebo um email da professora e amiga Najara Pinheiro. Trecho de uma entrevista com Arnaldo Antunes feita pelo Itau Cultural ("dentro da placenta do planeta azulzinho"). Pronto. Mudei o ritmo do trabalho e resolvi que trabalharia na entrevista, por que, na verdade, é uma interessante discussão sobre gêneros.

Então, faço alguns comentarios sobre respostas de Arnaldo Antunes, em homenagem a Najara e a Marcia Benetti, de quem logo lembrei, pois atualmente tem pensado sobre uma parte deste assunto.

A entrevista foca no processo criativo de Arnaldo Antunes, que, sabemos, é musico, poeta, compositor, artista visual. Do meio para o final, artista e entrevistador (Marco Aurélio Fiochi) começam a falar sobre edição, midia, gêneros.

A 4a resposta, sobre os limites entre criação e edição, tem um trecho pontual sobre produção-midia-gênero, assunto que sempre voltamos aqui:

" (...) Transformo em matéria os rascunhos, os pensamentos. Tenho de escrever, olhar, cotejar. Os meios digitais são muito adequados a esse pensamento mais fragmentário. Quando faço uma arte-final, posso experimentar várias versões, salvar, imprimir, rascunhar, mudar a ordem das partes. Eu penso materialmente, penso olhando a obra. Trabalho tanto por adição, ao criar informações, como por subtração, ao eliminar sobras até chegar ao que realmente interessa. (...)"

Concordo. E estenderia essa relação para os objetos e para a produção (extensão ao que so 'pensamento'). Existem tipos de eventos, acontecimentos, fatos que se adequam mais ou menos a uma midia ou outra, pela caracteristica semiologica desta. Assim como existem gêneros mais ou menos adequados a uma ou outra midia, ja dizia o professor Luis Marcuschi. Mais claramente, sabemos, a produção se organiza segundo a midia e vice-versa (McLuhan). Poderiamos parafrasea-lo dizendo: "O jornalista produz a matéria, pensando o tipo de composição".

Na 6a questão, o artista se analisa 'genericamente'. A despeito de vivermos um momento que lembra o Picasso do inicio do século XX, o ja ha muito multi-Antunes analisa mais profundamente o que define como "crise de gêneros":

"Talvez haja uma crise dos gêneros, que acaba resultando em uma crise de linguagens. Claro que essas denominações são funcionais. Vai-se ao cinema para assistir a um filme do Spielberg, do Godard ou a um documentário. Cada um deles tem uma linguagem diferente, mas são denominados cinema porque existe uma maneira de as pessoas se comportarem naquele lugar. Casos como esse mostram que as linguagens precisam de certa compartimentação. Mas isso não significa que não haja cada vez mais liberdade de namoro entre elas. A divisão existe até para determinar como exibir a obra. Essa questão se apresentou quando lancei Nome. Na época, houve uma dúvida se o melhor lugar para esse produto seria a loja de disco, a locadora de vídeo ou a livraria... Era um produto de difícil compreensão."

De forma pratica, Antunes explica a função da divisão em gêneros. Mercadologicamente falando, como existiriam as agências de noticias sem os gêneros? Muito ja se disse sobre as funções praticas dos gêneros jornalisticos, tanto no mercado da industria jornalistica, quanto no mercado acadêmico. Inclusive, acredito que é imprescindivel marcar essa palavra "jornalistico".

A questão se torna mais profunda se falamos de poder. Do poder que os gêneros doam a quem assina. Sem perder de vista, sempre, o campo social.

E, ainda mais profunda, se tratamos do conceito acadêmico de gênero, dentro do campo do jornalismo.

Dai, eu citaria um trecho da ultima resposta do artista:

" (...) Falamos de fronteiras entre gêneros, linguagens, mas há também fronteiras entre repertórios, entre o popular e o culto, o sofisticado e a cultura de massa. A arte põe em xeque todas elas. Em termos de circulação de informação artisticamente expressiva, eu acho que estamos em um território de liberdade, que possibilita o convívio com a diferença, o enriquecimento por meio de informações novas, de outros povos. (...)"

O jornalismo, definitivamente, não é territorio de liberdades. Entretanto, vive, como outras areas, essa crise. Uma crise que, acho eu, tem trazido interessantes soluções para o fazer jornalistico. Uma crise, para a qual os franceses estão atentos e que o Jean-Michel Utard chama de "embaralhamento dos gêneros".

Site dedicado ao estudo dos gêneros jornalísticos. Criado durante nossa tese de doutorado, 2005. Esse novo layout abre um novo ciclo de estudo, pesquisa, descobertas sobre esse tema tão caro à prática jornalística e ao conhecimento sobre o jornalismo.

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