Louros e malogros
No último post, vimos num breve parágrafo o gráfico sinuoso das visões da taxonomia, em particular nos estudos dos gêneros literários. Neste desenvolvemos o ritmo de louros e malogros da noção de gênero. Uma batida quadrada de sobe e desce intercalado. Embora sua introdução transcorra na Grécia Antiga, quando Aristóteles constrói sua milenar trilogia, é no classicismo que a noção de gênero é investigada cientificamente.
Tempo das ciências naturais, o Classicismo põe em ação o verbo classificar: verbo do fazer sistemático e metódico. Surge com o microscópio, o modelo racional das ciências físicas, o mecanismo cartesiano e a valorização ética da natureza. A necessidade de registrar os fatos de observação, fazer herbários, coleções, organizar bibliotecas, catálogos e inventários revelam um tempo de louros (Foucault). Estamos no século XVII.
Defendia-se que a essência do gênero literário tinha sido realizada na literatura greco-latina. Eram 'seres' com leis fixas, identidades substantivas e natureza própria como os mamíferos ou as petúnias. Não havia influência do lugar onde surgiam e ou do tempo que viviam. Importava sua lei, sua essência. Os gêneros eram pensados como valores absolutos. Misturas e hibridismos eram arrefecidos. As mudanças nos gêneros estariam ferindo a doutrina clássica.
Ainda no século XVII, a polêmica entre antigos e modernos prenuncia o romantismo, gestado nesta crise de valores. Princípios como a crença no progresso do saber e das realizações do homem (iluminismo), espírito modernista e relativização dos valores estéticos afetam a teoria clássica dos gêneros. Don Quixote era sucesso. Imaginação, emoção, sensação e aptidão são palavras-chave do romantismo. É a chamada 'estética do gênio'. O gênero malogra.
No final do século XIX, influenciada pelo darwinismo, volta a defesa da substancialidade do gênero. Brunetière apresenta o gênero literário como um organismo que nasce, envelhece e morre ou se transforma. Assim como as espécies vivas. A veia evolucionista gera uma série de estudos para identificar a linhagem dos gêneros em produção e suas espécies sobreviventes ou sobrepujadas. O gênero teria uma essência, cuja evolução seria igual em todo lugar numa mesma linha temporal. Em alta, de novo.
O próximo capítulo fica por conta de Benedetto Croce, esteta italiano. No final da última década do século XIX, a reação ao positivismo na literatura (simbolistas), na religião e na filosofia (idealismo) exprimia uma forte hostilidade ao gênero, através do que se chama de idealismo. Para Croce, a obra poética revela-se como intuição-expressão; toda obra suscitava uma reação intuitiva que levava à reação lógica. Uma classificação genérica, portanto, violentaria a individualidade da obra. Tempo de baixa.
Chega o Formalismo Russo, no início do século XX (1910 – 1930) e com este a proposta de compreender o gênero segundo seu caráter evolutivo, uma evolução dada historicamente, e não como um fator interno ao gênero, independentemente do seu ambiente e tempo. O estruturalismo, vivaz no dias de hoje, já os contaminara. É o momento de gestação de critérios de definição atuais; o berço dos clássicos para os estudos dos gêneros no campo da comunicação: Tzvetan Todorov (1939) e Mikhail Bakhtin (e o seu círculo, 1963).
Atualmente, na sociedade da informação, a ordem do discurso determina que pensemos o gênero como processo, situado no tempo e no espaço. É contemporânea a idéia de que a economia do gênero se dá por repetição e diferença (Steve Neale, 1980). A recorrência das situações retóricas pode ser tipificada ("Genre as social action", Carolyn Miller, 1984 e sócio-retórica). O gênero poderia ser esfecificado pelo tipo de fluxo – relação do tempo do ‘programa’ como tempo do mundo ("La promesse des genres", François Jost, 1997). Deve-se ter em conta uma esfera espacial, onde se dá o processo: seja numa comunidade discursiva (Swales, 1990, 2000 e sócio-retórica); seja num campo ou domínio do saber (Charaudeau, 1997; Maingueneau, 1987); ou ainda numa media, dotada de um regime espaço-temporal.
Pra nós, cinco anos depois do ataque às torres gêmeas e de quatro anos da morte do partidos (no Brasil), uma questão política martela a compreensão da economia do gênero discursivo: onde está o nível ‘ideológico’ analisável destas práticas sociais discursivas? Nas instituições? Acreditamos que sim. Lançamos mão da formação discursiva de Foucault (A arqueologia do saber, 1972).
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