Visão em perspectiva
Este é o movimento teórico de um grupo de 27 pesquisadores em cooperação interdisciplinar e internacional (regiões da França, do Quebec e do Brasil) para pesquisar sobre o jornalismo. Desde 2002, desenvolvem a pesquisa intitulada “Hybridation et création de genres médiatiques. Réalités, représentations et usages de transformations de l'information” através de 9 corpus de análise. Ver em perspectiva esta atividade social significa produzir um quadro teórico sobre jornalismo, reunindo pesquisadores dispersos em diferentes linhas - seja pela sociologia das profissões e das organizações, pela sociologia política ou seja pela historia da imprensa e das mídias – e dispersos em diferentes objetivos – identidade profissional do jornalismo, relação entre estratégias das empresas e a prática profissional, a transformação dessa prática com as novas tecnologias de informação ou ainda a articulação da prática com os discursos. (Ringoot e Utard: 2005: 11 a 17)
Além de trabalhos em conjunto e publicações, o grupo tem realizado eventos como o ciclo Olhares cruzados sobre as apostas contemporâneas do jornalismo que ocorreu no último dia 1° de junho na Celsa (école des hautes études em sciences de l'information et de la communication) da Paris IV – Sorbonne. O primeiro de uma série de três ciclos da “Journées d'études”, o evento se dedicou a discussões epistemológicas do jornalismo e do fazer-jornalístico.
Pela manhã, a mesa “Transformações, mutações, rupturas, reinvenção do jornalismo: da teoria à metodologia”, formada por pesquisadores do Canadá e da França, focou na discussão epistemológica. à tarde basicamente uma mesa de doutorandos debateu questões do fazer-jornalístico, além de receber um dos jornalistas responsáveis pelo Rue89, um recém criado site de “jornalismo cidadão” já com grande audiência na França.
A organização deste ciclo ficou a cargo do CRAPE (Centre de Recherches sur l'action politique em Europe), do GRIPIC (Groupe de recherches interdisciplinaires sur les processus d'nformation et de communication) e do REJ (Réseau d'études dur le journalisme).
Paradigmas do Jornalismo
Coordenada por Jean François Tétu (Lyon 2), discípulo de Maurice Mouillaud, com quem escreveu o famoso “Le journal quotidien”, a primeira mesa coloca em debate o pensamento de Jean Charron (Universidade de Laval), Roselyne Ringoot (Rennes 1), Jean-Michel Utard (Robert Schuman de Strasbourg) e Dominique Cotte (Lille 3).
A primeira discussão se dá sobre a teoria dos paradigmas do jornalismo, de Jean Charron (foto) e Jean de Bonville, que toma como base o jornalismo americano e, principalmente, do Quebec. Os pesquisadores canadenses acreditam que “o jornalismo é uma construção sociocultural fortemente marcada pelo contexto de sua formulação” (pensamentos gestados em 1996 e 1997, aos quais nos referimos nos próximos parágrafos). De forma mais direta, a teoria postula que o conceito de paradigma (Thomas Khun, 1983) designa um estado relativamente estável na cultura profissional dos jornalistas – um conjunto de pressupostos, regras de conduta, de convenções, noções compartilhadas pelo conjunto de jornalistas e que guia sua prática.
Os paradigmas jornalísticos seriam três: o jornalismo de opinião – que se manteve até o fim do século XIX; o jornalismo de informação – que apareceu no início do século XX (1920) e estaria em crise (desde 1980) ; e o jornalismo de comunicação – atualmente em emergência. Analisando as mudanças que vem sofrendo a prática jornalística, os autores afirmam que estamos vivendo o que chamam de “jornalismo de comunicação”, desde 1997, quando começam a desenvolver sua teoria.
Na sua apresentação, o professor Charron deu prioridade ao “paradigma da comunicação”, em que destacou o que chama de “sistema de jornais” (dispositivo sociocognitivo coletivo, em suas palavras). No debate, uma das mais importantes questões, no entanto, foi sobre as mudanças internas e externas ao próprio paradigma, ou seja, quando se pode dizer que uma mudança é estrutural do paradigma ou vem de fora da estrutura. Para nos, uma das arestas que o pesquisador se empenha em aparar.
Dispersão e reinvenção do jornalismo
Os pesquisadores Roselyne Ringoot e Jean-Michel Utard, a partir do livro “Le journalisme em invention” (publicação coletiva organizada pelos pesquisadores, 2005) e com o intuito de uma visão em perspectiva para o conhecimento da atividade jornalística, colocaram em debate sua aposta teórica com a categoria de “dispersão” de Foucault (1969). O discurso jornalístico é, ao mesmo tempo, aquele que é construído dentro do produto jornalístico, como também aquele que é “construído” pelos discursos profissionais, jurídicos ou pedagógicos.
Os produtos jornalísticos seriam submetidos a uma dispersão enunciativa. A formação discursiva jornalística seria um lugar de tensão (foyer de tension) entre ordem e dispersão. A dispersão estaria circunscrita ao jogo de relações. Os autores colocam a informação como objeto e o gênero como processo enunciativo central: “(...) Nous avons posé, en dénominateur commun, l'information comme objet et le genre comme processus énonciatif central, em réfutant tout essentialisme: l'information existe em fonction des discours qui la produisent et le genre est traversé par les conditions de sa production. (...)” (Ringoot e Utard: 2005: 43)
Embora categorias próximas, paradigma e formação discursiva se distinguem pelo grau dinâmico e processual de cada uma. Enquanto o paradigma implica sistema normativo, a formação discursiva, ainda que também seja uma articulação de valores, conceitos, estratégias, crenças coletivas, atos enunciativos exitosos (exemplares), possibilita – como dizem Ringoot e Utard – se considerar a diversidade e o movimento como fatores constitutivos e permanentes da prática jornalística.
Um dos elementos-chave neste jogo de diversidade e movimento seria o gênero discursivo. Ao mesmo tempo em que o gênero aparece como configuração discursiva estabilizada (diríamos nos, institucionalizada), é também uma manifestação provisória de um processo dinâmico.
Metáforas midiáticas
Dominique Cotte, da Universidade de Lille 3, apresentou a pesquisa coletiva “Métaphores médiatiques”, em curso há 3 anos. São 16 pesquisadores de 8 universidades francesas, além de um diretor de pesquisa do CNRS, o Centro Nacional de Pesquisa na França, que financia o trabalho. A partir de pesquisas já realizadas pelos alguns dos pesquisadores, o método é articular três dimensões: do texto (“sémiotique des écrits d'écran), da técnica (analise material e lógica do dispositivo digital) e do uso (abordagem da mediação social dos objetos).
A pesquisa de campo investiga cinco diferentes produtos: o software Oasif (uma ferramenta de formação à distância, desenvolvida pela Télécom Paris); a obra de Raymond Queneau, escritor, poeta, dramaturgo francês, co-fundador do movimento chamado Oulipo (Ouvroir de littérature potentielle) na década de 60; a rádio, mais especificamente as transformações sofridas pela rádio com o desenvolvimento das mídias digitais; os editores não-lineares utilizados nos jornais televisivos; e uso do software Power Point por assessorias de comunicação.
O trabalho se constitui, portanto, como dizem os pesquisadores no site de “Métaphores médiatiques”, uma etapa na “démarche” de pensar plenamente a dimensão simbólica das práticas midiáticas.
Práticas do jornalismo
A mesa “Les métiers du journalisme: des imaginaires professonnels renouvelés?”, coordenada por Denis Ruellan - de quem partiu a iniciativa de estudar as transformações da produção e a difusão da informação no nível local e regional ligados ao desenvolvimento da internet – recebeu o jornalista Pierre Haski, um dos quatro jornalistas criadores do site Rue89 e dois doutorandos.
Surgido há menos de um mês, o Rue89 é um site de “jornalismo cidadão” ou como acredita o Haski, um dos jornalistas fundadores, é uma prática jornalística a três vozes, do jornalista, de um especialista e de um usuário. “Concrètement, à chaque fois, nous mettons en valeur une information à partir de trois points de vue : l’enquête d’un journaliste, l’analyse d’un expert et le commentaire d’un blogueur. C’est ce que j’appelle le journalisme à trois voix” (citação de Pierre Haski em matéria na revista de atualidade LePoint.fr).
Entretanto, mesmo com a defesa do “jornalismo cidadão”, Haski destacou a particularidade do trabalho jornalístico em três principais competências: apuração da informação, hierarquização da informação e escolha da informações na composição do texto.
Os outros pesquisadores, os doutorandos Marie Brandewinder e Vincent Goulet, apresentaram artigos de suas teses em andamento. Brandewinder, orientanda de Érik Neveu, trabalha o papel dos consultores nas empresas de jornalismo. Já Vincent Goulet, doutorando da Université de Bordeaux 3, apresentou um artigo sobre a criação da primeira escola de jornalismo na França, já disponível no site do REJ.
No site de cobertura do evento, será publicado, em breve, o áudio das apresentações e debates, além dos artigos apresentados. O segundo ciclo, a ser realizado em dezembro desse ano, focará nas mutações estratégicas econômicas das mídias e na elaboração de estratégias midiáticas emergentes. O teceiro ciclo terá como tema as mudanças organizacionais dos diferentes tipos de
mídias e questionará a pertinência das tipologias tradicionais.
Referências:
CHARRON, Jean et de BONVILLE, Jean, Présentation. Journalisme en mutation. Perspectives de recherche et orientations méthodolgiques, in Communication, Québec, Université Laval, vol. 17, No 2, p. 51 à 99, 1996.
CHARRON, Jean e BONVILLE, Jean. Le paradigme du journalisme de communication : essai de définition, Communication, vol. 17 no 2, Université Laval (Québec), 1997, p. 51-97.
RINGOOT R. e UTARD J.M. (org.) Le journalisme en invention. Nouvelles pratiques, nouveaux acteurs, Rennes, PUR, coll. Res Publica, 2005.
TARDY, Cécile e JEANNERET, Yves. L'écriture des médias informatisés : espaces de pratiques (Coll. systèmes d'information et organisations documentaires), Hermes Sciences, 2007.
MOUILLAUD, M., TÉTU J.-F., Le journal quotidien, Lyon, PUL, 1989.
Rede de pesquisa:
Béatrice Damian, Marianne Chartier, Roselyne Ringoot, Denis Ruellan et Daniel Thierry (CRAPE-Université de Rennes 1), Jean-Michel Utard (GSPE-niversité de Strasbourg 3), Valérie Cavelier-Croissant (GRESEC-Université de Nancy 2), William Spano (GRESEC-Université de Grenoble 3), Franck Rebillard, Anne-Lise Touboul et Jean François Tétu (Médias et identité-Université de Lyon 2), Valérie Jeanne-Perrier (GRIPIC-Université de Paris 4), Florence Le Cam (CRAPE-Université de Laval Québec), Nicolas Pélissier (LAMIC-niversité de Nice), Dominique Augey (CAE-Université d'Aix-Marseille 3), Marie-Christine Lipani (Université de Paris 3), Marc-François Bernier (Université de Ottawa), Josette Brun, François Dermers, Alain Lavigne, Charles Moumouni et Thierry Wattine (PNCP-Université Laval de Québec), Bernard Idelson, Nathalie Almar et Jacky Simonin (LCF-Université de la Réunion), Zélia Léal Adghirni, Luz Martins da Silva, Marcia Marquez, Dione Moura (SOJOR-Universidade de Brasilia), Francisco Sant'Anna (Univesidade de Brasilia e Université Rennes 1).
2 comentários:
Bacana, Rogerio,
engraçado que não conheço muitos...mas, sabendo, te envio o link.
abraço
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